sábado, 30 de junho de 2012

A Ilusão da Alma


1º)
A propósito do livro A Ilusão da Alma, de Eduardo Giannetti, não vou dizer nada.
Sugiro leitura dos artigos que o Wisnik vem publicando no jornal O Globo.
O terceiro texto sobre o assunto está prometido para o próximo domingo.




Se sou

o que almejo ser

o que adoraria ser

o que penso que sou

o que me surpreendo por ter me transformado em

o que me apraz ser vista como

o que sou forçada a

um desdobrar

sem fim

Se sou

o que pensam

o que traduzem

o que interpretam

o que nem imaginam

o que revelam

o que esperam

o que deduzem

de mim

A resultante

sendo

em si

uma variedade

surpreendente e impalpável

que diz mais do que qualquer ilusão da alma pode sugerir

muito mais do que qualquer eu fajuto pode inferir

mas muito menos do que o deus dos tempos pode me pedir



Sou tudo e nada

joia e trapo

lucro e lixo

joio e trigo.





2º)
Minha memória associativa me sopra aos ouvidos alguns trechos de Knots, livro de R.D.Laing, psiquiatra inglês que muito impressionou minha geração lá pelos idos de 1973 e que foi uma referência importante tanto para profissionais quanto para leigos interessados nos nós, impasses, pontos cegos, interseções, tensões, disjunções, entre nossos padrões de relacionamento (com o outro e com nós mesmos) – a palavra sendo, no enfrentamento, o instrumento de revelação ou desordem:



They are playing a game. They are playing at not

playing a game. If I show them I see they are, I

shall break the rules and they will punish me.

I must play their game, of not seeing I see the game.





How clever has one to be to be stupid?

The others told her she was stupid. So she made

herself stupid in order not to see how stupid

they were to think she was stupid,

because it was bad to think they were stupid.

She preferred to be stupid and good,

rather than bad and clever.



It is bad to be stupid: she needs to be clever

to be so good and stupid.

It is bad to be clever, because this shows

how stupid they were

to tell her how stupid she was.





Narcissus fell in love with his image, taking it to

be another.



Jack falls in love with Jill’s image of Jack, taking

it to be himself.

She must not die, because then he would lose himself.

He is jealous in case anyone else’s image is reflected

in her mirror.



Jill is a distorting mirror to herself.

Jill has to distort herself to appear undistorted

to herself.



To undistort herself, she finds Jack to distort her

distorted image in his distorting mirror.

She hopes that his distortion of her distortion may

undistort her image without her having to distort herself.





If I don’t know I don’t know

                                              I think I know

If I don’t know I know

                                       I think I don’t know












terça-feira, 26 de junho de 2012

A Árvore da Vida



Revi A Árvore da Vida, de Terrence Malick.

Renovo o encantamento.

Fotografia artística de primeira grandeza, bem cuidada, um show à parte, com o diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki.  Cada centímetro de cena trabalhado em prol de um resultado fotográfico que não é a criação de imagens inusitadas de lugares inexistentes ou dificilmente visitados, mas lugares comuns onde meus pés tropeçam a cada instante, onde o homem transita em seu dia a dia desde sempre.

A cena das aves, incontáveis pontos negros em movimento num urbano entardecer, é de uma beleza abençoada e penetrante. E trivial. Como tantas outras referências do belo a que somos submetidos do início ao fim do filme. Tudo de um apuro magistral, poético , perfeito.                  Lindo. Lindo.

O filme pode parecer triste a quem é pego de surpresa pela densidade emocional e reflexiva, mas encanta com a enormidade de sua beleza. Aquece e engrandece nosso íntimo com nutrientes espirituais. A música “silenciosa”, calma e sutil é perfeita na composição de todo o quadro.

Há um incômodo, um desassossego familiar. Somos levados a um passeio dentro de nossa própria alma.

O filme conta minha história. Sou eu o testemunho da dor e do mistério do enfrentamento que é o viver. O roteiro é arrancado a fórceps do meu peito. Não há a maciez ou o alívio de uma distância.

Os menores de cinquenta anos, os de cueiros, terão certamente mais dificuldade em entender ou alcançar a profundidade dessa obra.

O mundo tratado é o de hoje, o de ontem ou o de amanhã. Palpável, acessível, corriqueiro.  E o som, tão familiar quanto o que possivelmente ecoa nos canais de ressonância de nossas artérias e conexões sinápticas.

As imagens são tocantes e arrebatadoras: pulsão de vida e morte num contínuo de luzes, sombras e reflexos, que são fotografias de buscas, medos e esperanças esculpidos em nossas desnorteadas lembranças.

O filme levanta questões profundas sobre a possibilidade de coexistência de conceitos como Deus, bondade e justiça num mundo povoado de tragédias, equívocos e maldades.

É um tratado magnífico sobre tudo o que nos concerne. Fala sobre amor, sexualidade, infância, amadurecimento, violência, inexorabilidades, segredos que nunca serão segredos, revelações, impotência e medo, reconhecimento e humildade.

É um filme grandioso.