segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Enquanto uma enorme tragédia se abate sobre cidades da região serrana do estado do Rio de Janeiro, tentamos dar continuidade a nossas vidinhas, com aquele gosto de cabo de guarda-chuva na boca, próprio de quem se depara com o incômodo e não menos trágico sentimento de impotência frente a nossa conjuntura existencial : somos pouco
                    somos frágeis
                    somos falhos
                    somos nada.

Hoje reverencio o Grupo Eco do Santa Marta.
Minha homenagem vai para a sua 32ª Colônia de Férias acontecendo em meio às tristes notícias deste verão.
Vem-me à mente a imagem de 320 crianças e 50 monitores, fazendo seu percurso diário de festa e alegria, inventividade e disposição impressionantes, num burburinho mágico de movimento vital contínuo e avesso a qualquer sentimento de pulsões macabras.
C'est la vie.

C'est le tragique et le comique embrouillés.

    
     Wélinton olhou com o rabo de olho para o lado daquele bate-boca desenfreado entre o pai e a mãe, coisa comum nas tardes de domingo, fizesse sol ou chuva, quando o pai chegava bem calibrado de cachaça da birosca do Severino e se esparramava no encardido sofá em frente à televisão para ver o jogo, reclamar da vida e peidar.
     Sem titubear, saiu porta afora, esgueirando-se pela escada de pedra que ladeava a vala onde o gato de dona Aronilde já se postava para a caça diária aos ratos e baratas que o calor parecia multiplicar.
     Depois de alguns sei lá quantos degraus e um salto de mestre e costume, ajeitou-se no canto de vista mais formosa da laje da pequena casa que o viu nascer há uma década, tempo suficiente para muitas mudanças e poucas soluções; respirou o doce ar e a promessa de brisa e sombra que a mata fechada e úmida trazia por esta espécie de fresta, uma mão estendida no sufoco de suas horas solitárias, um sopro de frescor, uma pausa de calmaria, um intervalo de serenidade e paz, um freio mágico na desordem, um silenciar momentâneo no excesso de decibéis que o cercava. De olhos semicerrados, abriu os braços, respirou fundo e deixou escapar seu mais belo sorriso:
     Wélinton acabara de criar Deus!

(do livro Alma Favela, de Vera Versiani, publicado pela Oficina Editores / APPERJ

2 comentários:

  1. Muito bom. retrata a vida de um ser humano mortal comum. Náira

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  2. amei, vera! o texto, a ideia do blog e a imagem de fundo: linda de morrer!!!!!!

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