domingo, 23 de janeiro de 2011

   Outro dia, numa reunião de amigos, um deles definiu o que denominava "território do não-chegar-lá". Seria o território paralisante do não-fazer, o das perguntas "castrantes" que detêm o ímpeto da criação, freiam a concepção de trabalhos de qualquer tipo, impedem ações positivas espontâneas, adiam a construção e o somatório de atitudes, estratégias, intercâmbios, buscas, interações, convívios que nos levam à nobre arte de empilhar nossos tijolos sagrados do conhecimento e da procura. Seria o território lamuriento das reclamações recorrentes de inutilidade visível. O território das depreciações destrutivas. O território da preguiça e o da adição compulsiva, tão frequentemente disfarçados e acomodados em nossas mesas de botequim e salas de televisão. O território da baixa autoestima e da insegurança. O território altamente reativo do despeito e da inveja. O território do palavrório despejado ao léu, como lixo em aterro sanitário.
   Um outro amigo sugeriu que, em cada iniciativa tomada, façamo-nos sempre a pergunta correta. Em vez da usual Estarei preparado para esta ação?, usemos a mais digna e libertária Estarei imbuído da grandeza do executar esta ação?.


   Aos amigos, particularmente àqueles a quem me referi, dedico este meu "Diablog" número 3, transcrevendo aqui a Oração do Pássaro, do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.



Senhor,
Torna-me louco, irremediavelmente louco,
Como os poetas sem palavras para seus poemas,
As mulheres possuídas pelo amor proibido,
Os suicidas repletos de coragem perante o medo de viver,
Os amantes que fazem do corpo a explosão da alma.


Dá-me, Senhor, o dom fascinante da loucura
Impregnado na face miserável do pobre de Assis,
Contido nos filmes dionisíacos de Fellini,
Resplandecente nas telas policrômicas de Van Gogh,
Presente na luta inglória de Lampião.


Quero a loucura explosiva, sem a amargura
Da razão ética das pessoas saciadas à noite pela TV,
Da satisfação dos funcionários fabricantes de relatórios,
Dos discursos políticos cegos ao futuro.


Faz de mim, Senhor, um louco
Embriagado pelo teu amor,
Marginalizado do rol de homens sérios,
Para poder aprender a ciência do povo
Em núpcias com a cruz que só a fé entende,
Como um louco a outro louco.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Enquanto uma enorme tragédia se abate sobre cidades da região serrana do estado do Rio de Janeiro, tentamos dar continuidade a nossas vidinhas, com aquele gosto de cabo de guarda-chuva na boca, próprio de quem se depara com o incômodo e não menos trágico sentimento de impotência frente a nossa conjuntura existencial : somos pouco
                    somos frágeis
                    somos falhos
                    somos nada.

Hoje reverencio o Grupo Eco do Santa Marta.
Minha homenagem vai para a sua 32ª Colônia de Férias acontecendo em meio às tristes notícias deste verão.
Vem-me à mente a imagem de 320 crianças e 50 monitores, fazendo seu percurso diário de festa e alegria, inventividade e disposição impressionantes, num burburinho mágico de movimento vital contínuo e avesso a qualquer sentimento de pulsões macabras.
C'est la vie.

C'est le tragique et le comique embrouillés.

    
     Wélinton olhou com o rabo de olho para o lado daquele bate-boca desenfreado entre o pai e a mãe, coisa comum nas tardes de domingo, fizesse sol ou chuva, quando o pai chegava bem calibrado de cachaça da birosca do Severino e se esparramava no encardido sofá em frente à televisão para ver o jogo, reclamar da vida e peidar.
     Sem titubear, saiu porta afora, esgueirando-se pela escada de pedra que ladeava a vala onde o gato de dona Aronilde já se postava para a caça diária aos ratos e baratas que o calor parecia multiplicar.
     Depois de alguns sei lá quantos degraus e um salto de mestre e costume, ajeitou-se no canto de vista mais formosa da laje da pequena casa que o viu nascer há uma década, tempo suficiente para muitas mudanças e poucas soluções; respirou o doce ar e a promessa de brisa e sombra que a mata fechada e úmida trazia por esta espécie de fresta, uma mão estendida no sufoco de suas horas solitárias, um sopro de frescor, uma pausa de calmaria, um intervalo de serenidade e paz, um freio mágico na desordem, um silenciar momentâneo no excesso de decibéis que o cercava. De olhos semicerrados, abriu os braços, respirou fundo e deixou escapar seu mais belo sorriso:
     Wélinton acabara de criar Deus!

(do livro Alma Favela, de Vera Versiani, publicado pela Oficina Editores / APPERJ

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Almejando cuidar de algumas inutilidades vitais, dou início a este registro bloguiano de comentários, ruminações, delírios, elucubrações, poemas, aforismos e inclassificáveis anotações sobre cultura em geral.


Prometo desde já que não lidarei com o leitor (haverá algum?) como se fosse um idiota aculturado e desprovido de capacidade de raciocínio. Esta é, a meu ver, uma qualidade indiscutível do meu blog, o que o coloca na dianteira entre as muitas folhas soltas aos quatro ventos no panorama da matraqueação e cacarejos desenfreados, pobres e fúteis que nos acometem diariamente e que cismam em dizer o mesmo que digo
  
Homenageio os livros, nesta minha primeira edição, com frases soltas, aforismos e alguns trechos de poemas:


 "Ei, obrigado por me ler. Eu deveria sentir-me feliz por estar aqui, embora não possa deixar de me sentir confuso. Gosto do jeito que seus olhos viajam sobre mim. Porque aqui estou para servi-lo. Mesmo sem saber o que isso significa."... (Orhan Pamuk)


Um lugar aprazível e aconchegante é um lugar cheio de livros. (V.V.)


"Eu rego minha mente branca com livros." (Susan Sontag).


"É claro que meus filhos terão computadores, mas antes terão livros."
(Bill Gates)



Queria saborear a felicidade estúpida da certeza absoluta. (V.V.)


A gente pode, no máximo, se fazer escutar, mas nunca se fazer entender. (V.V.)


A compreensão mútua é o máximo de desentendimento que podemos alcançar. (V.V.)


Aproveitem, pois amanhã não haverá espaço, ar respirável ou justiça de qualquer espécie. (V.V.)


O equilíbrio é aquele estado zen onde não se chega nem depois de morto. (V.V.)


Dois legados desastrosos de nossa era científica: a bomba atômica e a mania de explicação. (V.V.)


..."É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embebedai-vos, embebedai-vos sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa." (Baudelaire)